Trabalhei durante 16 anos para um empresa de construção civil. Tive uma das tarefas de executar o serviço de Reprografia (cópias de grandes formatos). O posto de trabalho era uma enorme sala com 3 janelas para as traseiras mas só para mim. O serviço de imagem tinha o hábito de colocar vasos de plantas em todas as divisões.
Desconhecia totalmente a espécie de planta que me foi enviada naquele pequeno vaso. 3 folhas em formato de faca indiana era o que mais me parecia. Vaso de plástico de uns 8 cms de diâmetro, um prato onde poisar o vaso e nenhuma etiqueta sequer. Ao fim e ao cabo era uma planta "a mais" que me foi cedida por uma qualquer "alma depenada" que nela nada viu para além de uma planta que "sobrou" entre muitas outras mais vistosas, mais possuidoras de "predigree" do que a minha.
Mantive a planta à sombra afastando papéis numa prateleira de arquivo para a qual reservei lugar de honra e observava o seu crescimento. As folhas em forma de faca não me eram estranhas. As suas folhas verdes compridas como espadas mas magras, despidas de vida e cuja aparência esverdeado claro era a de terem sido votadas ao ostracismo e mais me parecia uma planta "orfã" e até um simples "sem abrigo" que vivia debaixo da ponte antes de ter sido remetida a esta secção de cópias onde me encontrava.
Perguntei à minha mãe, depois de lhe ter explicado numá constituição género testemunha policial o "corpo e rosto" daquela plantinha que me tinham concedido. E, minha mãe, na sua sabedoria e infinita paciência - que me recorda que quem tem mãe tem tudo e quem nãoi tem não tem nada - e experiência vivida entre o Brasil e Portugal, explicou-me que aquilo que eu tinha entre as minhas mãos não era senão a "Espada de S. Jorge". Maltratada aqui e ali, abandonada à sua sorte, desprovida de meios de sobrevivência, mal regada, já estava condenada a morrer antes de poder sequer fazer tenra idade.
Perante esta explicação, não tive rodeios. Munido de um cartão identificativo que me dava acesso a todas as portas consegui perder algum do meu tempo com a tarefa da "ressureição da dignidade" da planta que me tinham dado como quem me dá o resto que sobrou de uma cultura. Arranjei terra para vasos que retirei a gosto de um grande saco cujo conteúdo erá de uma empresa de jardinagem, um suprimento líquido para a regar de vez em quando em formato de frasco plástico de 250 ml e consegui após regatear com uma das empregadas de limpeza interna um vaso maior apoiado de um prato que pouco ultrapassava o diãmetro do vaso. Sem saber a época adequada ou o mínimo que fosse de plantas, mudei-a de vaso como quem em simples inocência de infância muda de casa sem saber a renda que paga ao banco.
Um vaso de maior diâmetro - desta vez de cor verde - prato de sustentação de reseva de água (a que o nosso estimado admim diz que fica "podre") um frasco de 250 ml de suprimento alimentar que me daria para uns meses com a "receita" de rega com uma dose (através da tampa como medida de 15 em 15 dias) e um segredo de cumplicidade entre mim e a espada de S. Jorge que só mais tarde iria cair por terra qual segredo do castelo dos Vlads (Dráculas).
De manhã, ao chegar ao meu posto de trabalho, punha a planta virada ao sol que vinha de uma das janelas e antes do almoço voltava a colocá-la à sombra no seu pedestral até ao dia seguinte, pelo que ela apanhava umas horas de sol e mais horas de sombra. Regava-a somente quando a terra se encontrava seca e deitava água da garrafa de litro até verificar que a água saia no prato. Isto andou desde Outubro até aos finais de Julho de outro ano. A cada mês verificava que a minha planta crescia e cada vez era mais forte e mais alta, pelo que me certificava usando uma régua de 50 cms o quanto ela crescera em cada mês. Mas os que me tinham, dado a planta estavam admirados por ela crescer em vez de ter virado uma planta sem vida. O mneu segredo estava bem guardado. Na minha gaveta particular uma simples e velha colher de sopa continha o segredo tanto meu como da minha planta.
Chegado o mês de Julho a planta já tinha os seus respeitosos 45 cms de altura em cada folha. Mais uma vez o meu segredo foi colocado em acção. Ninguém sabia o que fazia à planta e todos os da casa sabiam que o suprimento alimentar à muito já tinha acabado. Só eu era o suspeito de tal "crime" de a planta ter vida.
No dia 30 de Julho, e a um passo de ir de férias, arranjei uma enorme saca para transportar a minha estimada planta de S. Jorge. Uma vez que vinha de férias a planta vinha comigo a mal ou a bem. Meti-a na saca à última hora como quem comete o crime de raptar alguém, e à socapa saí rapidinho pela porta dos fundos passando por seguranças que de nada suspeitaram. O crime foi feito mas o segredo estava para ser revelado em casa.
Trouxe, pois, a planta para casa. A minha esposa ficou maravilhada e minha mãe também. Era uma bela planta, vistosa, verde vivo, bem alimentada e crescida dentro de um vaso de bom espaço. Terra solta que demonstrava que de uma forma constante era "remexida" por mim. A planta teve logo lugar em minha casa e todos olhavam para ela acima de todas as outras.
Se ela, enquanto espécie do reino plantae se podia dar ao luxo de se sentir orgulhosa, imaginem o tratador.
No entanto, deixei cair o meu segredo quando a minha mulher percebeu o que se passava com a planta. O horrível segredo foi revelado de imediato e a minha máscara caiu por terra qual guerreiro ferido no seu orgulho. Eu juntava restos de alimentos - a cada 30 dias - e metia os restos de mais ou menos 150 gramas de uma refeição humana por entre a terra desta planta de S. Jorge. O seu conteúdo alimentar foi sempre arroz e carne e por vezes batatas e peixe que eu usei para "adubar" e senão mesmo enriquecer com a minha velha colher de sopa a terra e por isso esse solo do vaso estava sempre remexido ora do lado direito, ora do lado esquerdo. Pudera. Eu enterrava uma colher de comida de teor humano entre a terra como forma de fazer "composto" com o que tinha de mais: retirava para um guardanapo de papel um pedaço de comida para “a minha planta”. Nunca ninguém deu pelo facto nem sequer teve a mínima suspeita até ao dia em que minha mulher percebeu o tanto remexer da terra que envolvia a Espada de S. Jorge.
Quem quiser que acredite, senão que experimente.